sábado, 21 de abril de 2012

GÊNERO E LEITURA BÍBLICA


CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL

GRUPO DE REFLEXÃO “MULHER CONSAGRADA” (GRMC)

CURSO “RELAÇÕES DE GÊNERO”





ESTUDO NO  2







GÊNERO E LEITURA BÍBLICA



INTRODUÇÃO



A teoria de gênero nos ajuda a analisar as leis, costumes e estruturas que a sociedade comunica de maneira intensa e sutil, determinando e justificando as relações desiguais entre homens e mulheres, em todos os campos da sociedade.



Mitos, lendas, piadas e provérbios justificam as desigualdades e privilégios que estão por trás dos padrões sociais de gênero. Na sua comunicação, a experiência religiosa tem muita força. Ela é responsável por aspectos ideológicos não questionados, que mantêm os preconceitos contra a mulher. Estes são introjetados pelas próprias mulheres, que passam a transmiti-los na família, na escola, na comunidade, no trabalho e no lazer.







1 - DESPERTAR E DECONSTRUIR



É preciso deconstruir estes velhos padrões de identidade e comportamento. Urge criar relações de igualdade, companheirismo, ajuda mútua e intercâmbio enriquecedor entre homens e mulheres, superando as velhas e dolorosas exclusões de gênero, raça/etnia e classe.



Para realizar esta deconstrução dos padrões de gênero é necessário lembrar que estão relacionados ao modo como uma sociedade se organiza e exerce o poder. A sociedade constrói o tipo de homem e mulher que lhe interessa para manter sua estrutura, seu modelo de organização. Mitos e tabus estão nas raízes desses padrões .





2 - MITOS, TABUS E PRECONCEITOS:



Os padrões gerados pela maneira como um grupo social compreende e exerce o poder estão relacionados também às dificuldades de integração da sexualidade e da afetividade. Mitos e tabus servem para justificar a dominação e esconder o medo. Estes mitos e tabus estão presentes também na Biblia. São um reflexo da sociedade patriarcal onde a Bíblia foi elaborada. Eles são responsáveis pelas leis, costumes e estruturas discriminadoras da mulher no povo da Bíblia e  pelo silêncio sobre ela na redação de alguns  textos bíblicos.

Posturas preconceituosas em relação à mulher estão presentes tanto na redação, como na tradução, interpretação e transmissão bíblica ao longo dos séculos.







3 - O PROBLEMA DAS TRADUÇÕES:



Alguns textos que conseguiram sobreviver às redações preconceituosas foram deturpados pelos copistas e tradutores. Ao fazer as cópias, aqueles que  tinham o modelo de sociedade caracterizado pelo predomínio do homem, eliminanaram nomes e artigos femininos. Por exemplo, em Col 4,15  encontramos uma saudação a Ninfas e à igreja que se reúne na casa dele. No entanto, existem dois manuscritos (Codex Vaticanus e a Tradução Síria) que se referem “a Ninfa e à igreja que se reúne na casa dela”.



Um exemplo de tradução preconceituosa encontramos em Rm 16,7 . A saudação ali é para Andrônico e Júnia, “apóstolos importantes”, como diz o texto. Acontece que durante muito tempo Júnia foi traduzida por Júnio, pois os tradutores não podiam aceitar que uma mulher recebesse este título de apóstolo iminente.



Em 1 Cor 11,10,  dentro da orientação de Paulo sobre a maneira como as mulheres deviam apresentar-se ao tomar a palavra nas celebrações, encontramos a frase: “Portanto a mulher deve ter sobre a cabeça um sinal da sua autoridade por causa dos anjos”. A palavra autoridade , em grego“exsousia”, foi traduzida por “dependência” nas versões mais conhecidas.



Poderíamos continuar com os exemplos, mas parece que já são suficientes para que possamos perceber o problema das traduções.





4 -  LER A BÍBLIA COM ÓTICA DE GÊNERO



É próprio da ideologia dominante tornar invisíveis, esquecidas, as pessoas e os acontecimentos importantes para os dominados. Apagar a memória histórica das conquistas dos pequenos é uma forma de manter a alienação e a submissão. Isso acontece tanto em relação à história dos remanescentes afros, como dos indígenas e das mulheres. Apagar as raízes históricas dos pequenos é uma forma de calar a oposição.



Para reagir ao silêncio sobre a presença ativa das mulheres na Bíblia, o desafio será resgatar as poucas alusões que encontramos à liderança das mulheres dentro dos textos androcêntricos. Mas uma leitura de gênero não somente trabalha os textos que resgatam a presença ativa das mulheres. Sabemos que aquelas que conseguiram sobreviver à redação androcêntrica são símbolo de muitas outras mulheres que ao longo da história bíblica trabalharam dia a dia ao lado dos homens, construindo a história do seu povo, apesar de todas as discriminações.



A questão de gênero é tão fundamental na convivência humana que a leitura com ótica de gênero não está relacionada apenas aos textos que se referem às mulheres, ou que as silenciam. Uma leitura bíblica com ótica de gênero deve estar presente em todo trabalho com um texto bíblico. Ela se preocupa com as relações, buscando dialogar com as diferenças. Ela se pergunta pelas situações, indagando sobre a realidade das comunidades e grupos que estão por  trás de cada texto.





5 - DISCIPULADO DE IGUAIS:



Alguns textos do Novo Testamento foram redigidos no auge da patriarcalização da Igreja e da discussão sobre o papel das mulheres. Isso provocou ou o silêncio sobre elas ou a descrição de situações em que as mulheres foram caladas e discriminadas, obrigadas a uma postura de submissão. Por esse motivo,  a transmissão fiel das tradições sobre o Movimento de Jesus e as origens do cristianismo ficou prejudicada.



 Encontramos também comentários muito rápidos sobre a participação ativa das mulheres no discipulado de iguais organizado por Jesus (Mc 15,40-41; Lc 8,1-3) ou na liderança de algumas comunidades cristãs (Rm 16,1-2; At 16,13-15).Uma leitura bíblica a partir da ótica de gênero tem procurado mostrar a participação das mulheres no discipulado de iguais e sua importante atuação nas origens do cristianismo.



Com relação aos escritos paulinos, por exemplo, tem-se procurado relacionar os textos preconceituosos que aparecem nas cartas ( 1 Cor 11,9; 14,34) com as saudações afetivas e respeitosas que Paulo faz às suas companheiras de missão (Rm 16,1-16; Cl 4,15). Este esforço não tem o objetivo de mostrar uma liderança das mulheres em oposição aos homens. É um resgate da memória de comunidades cristãs que buscaram ser fiéis ao Projeto de Jesus. O anuncio do Reino de Deus rompe com as estruturas patriarcais e cria relações alternativas às vigentes; relações novas, onde as mulheres têm a mesma possibilidade que os homens.Jesus suscitou um discipulado de iguais que ainda necessita ser descoberto e realizado pelas mulheres e pelos homens nos dias de hoje.





6 - NOSSA FORMAÇÃO



Nossa formação na família e na escola foi condicionada por modelos que a ideologia dominante transmite sobre o que significa ser homem ou ser mulher. Na Vida Religiosa aconteceu a mesma coisa. Mudou o âmbito, mas não mudaram os conceitos. Estes não somente continuam, mas são até aprofundados, porque se fundamentam em filosofias e teologias preconceituosas.



Para re-construir e re-criar relações igualitárias é importante ter consciência de que tanto a Bíblia como a teologia refletem a visão da sociedade patriarcal onde são elaboradas. Nossa formação religiosa e nossa leitura bíblica sofreram estes condicionamentos. Isto é, foram feitas a partir de uma ótica pré-determinada por preconceitos e julgamentos misóginos, próprios de toda sociedade patriarcal. Nós interiorizamos estes padrões sem questioná-los, porque não temos uma aproximação crítica da Bíblia e da teologia.





Nenhuma leitura, nenhuma interpretação de texto é neutra. Ela revela antes de tudo o que somos, como nos relacionamos, o que sentimos, qual o sentido da vida para nós. Uma leitura bíblica a partir de gênero tem como ponto de partida a maneira como experimentamos a realidade, seja como mulheres ou como homens. É a partir da nossa prática, e sobretudo a partir das lutas das mulheres e dos homens pela libertação e por condições dignas de vida, que fazemos perguntas ao texto bíblico.







PERGUNTAS PARA UMA REFLEXÃO EM GRUPO:





1 - Quando lemos a Bíblia, partimos de nossa própria experiência como mulheres  e homens? A maneira como nos situamos no mundo, na sociedade, na comunidadee na Igreja, frente a nós mesmas e frente a Deus se expressa na nossa leitura da Bíblia?



2 -  O texto é um corpo e a pessoa que lê entra em relação com ele, a partir de sua corporeidade. Como integramos a nossa corporeidade, sexualidade e afetividade? Como é a nossa relação com a realidade, a natureza, as pessoas, a vida em geral? Como é a nossa relação com o texto bíblico?





PERGUNTAS PARA RESPONDER POR ESCRITO E ENVIAR PARA O GRMC

ATÉ  20/05/98



A - Nos Evangelhos, Maria Madalena é citada nominalmente muitas vezes:

·      como discípula de Jesus (Lc 8,1-3)

·      como testemunha da sua crucifixão (Mc 15,40-41; Mt 27,55-56; Lc 23,49; Jo 19,25)

·      como testemunha do seu sepultamento (Mc 15,47; Mt 27,61)

·      como testemunha da sua ressurreição (Mc 16,1-8; Mt 28,1-10; Lc 24,1- 10; Jo 20,1 ; 20,11-18).

·      como enviada aos Onze com uma mensagem de Jesus (Mt 28,10).

 Leia os textos citados acima e responda:

1.    Qual a importância de Maria Madalena nas origens do cristianismo?

2.    Como Maria Madalena é conhecida, hoje?

3.    Por que a figura de Maria Madalena foi deturpada?



B - Faça uma leitura de Lc 10,38-42 a partir da ótica de gênero:



1.    Quais os papéis de cada personagem neste texto?



2.    Como se relacionam as pessoas no texto?



3.    Estes papéis estão de acordo com os padrões tradicionais?



4.    Quais são as novidades do texto quanto às relações de gênero?





Mercedes Lopes

Angra dos Reis - RJ







BIBLIOGRAFIA





CARDOSO PEREIRA, Nancy. “Editorial”, Revista RIBLA no 25, ...Mas nós mulheres dizemos”, Ed. Vozes, Petrópolis, 1996, pp. 5-10.



LOPES, Mercedes. A Confissão de Marta, Ed. Paulinas, São Paulo, 1996.



______________  “Mulheres que inventam saídas”,  RIBLA no 25, Ed. Vozes, Petrópolis, 1996, pp. 55-62.



VÁRIAS AUTORAS. Sentimos Deus de Outra forma. Leitura Bíblica feita por mulheres. Série: A Palavra na Vida. CEBI. Nos 75/76, 1994.



SHÜSSLER-FIORENZA, Elisabeth, As origens cristãs a partir da mulher. Uma nova hermenêutica, Ed. Paulinas, São Paulo, 1992.



SEBASTIANI, Lilia. Maria Madalena, de personagem do Evangelho a mito de pecadora redimida, Ed. Vozes, Petrópolis, 1995.